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14 de maio, 2025

Nova Lei Garante Terapia Nutricional a Pessoas com TEA: O que muda para o Nutricionista?

A recente sanção da Lei nº 15.131/2025, que inclui a nutrição adequada e a terapia nutricional como direitos legais das pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), inaugura um novo momento para a atuação do nutricionista no Brasil. Para além de uma conquista política, trata-se de uma mudança de paradigma na forma como compreendemos o cuidado nutricional de populações neurodivergentes.

A pergunta que paira entre os profissionais da saúde é: como a nutrição pode contribuir, de fato, para a qualidade de vida de pessoas com TEA? E mais — estamos preparados, técnica e clinicamente, para responder a essa demanda?

1. Nutrição e Autismo: o que diz a literatura?

A relação entre TEA e alimentação é multidimensional. A literatura internacional já reconhece que aspectos sensoriais, cognitivos, metabólicos, imunológicos e gastrointestinais afetam diretamente o comportamento alimentar de pessoas com autismo.

Seletividade alimentar atinge até 89% dos indivíduos com TEA (Bandini et al., 2010), resultando em padrões restritivos que podem comprometer a ingestão de micronutrientes essenciais, como ferro, zinco, vitamina D e B12.

Há evidências de disfunções gastrointestinais como constipação, diarreia crônica, refluxo e dor abdominal funcional, que afetam entre 40% e 70% das pessoas com TEA (McElhanon et al., 2014).

Estudos apontam a existência de uma disbiose intestinal característica, com redução de Bifidobacterium e aumento de Clostridium spp., com possível impacto neurocomportamental via eixo intestino-cérebro (Kang et al., 2013).
Além disso, há prevalência aumentada de transtornos alimentares como PICA e o hábito de hiperfoco por alimentos ultraprocessados, que exigem abordagem clínica sensível e multidisciplinar.


2. O que muda com a Lei nº 15.131/2025?

A legislação altera o art. 2º da Lei nº 12.764/2012 (Lei Berenice Piana), incluindo expressamente:

“a nutrição adequada e a terapia nutricional, com acompanhamento por profissionais habilitados e com base em protocolos clínicos definidos pelas autoridades sanitárias.”

Isso significa que:

  • A nutrição não é mais coadjuvante: é parte do direito à saúde da pessoa com TEA;
  • As redes públicas e privadas deverão garantir acesso a nutricionistas capacitados, com atenção às especificidades da neurodivergência;
  • A atuação deve ser baseada em protocolos clínicos de boas práticas, o que impõe uma demanda por capacitação técnica rigorosa.

3. Papel do nutricionista na prática clínica com pessoas com TEA

imagem: canva

A atuação do nutricionista neste campo exige mais do que domínio técnico: requer formação humanizada, sensível e pautada em evidências científicas atualizadas.

a) Avaliação e diagnóstico nutricional individualizado

A anamnese deve contemplar não apenas parâmetros antropométricos e bioquímicos, mas também:

Histórico de suplementação não supervisionada.

Avaliação do comportamento alimentar (rituais, hiperfoco, neofobia);

Rotina alimentar no ambiente escolar e familiar;

Perfil sensorial do paciente (auditivo, tátil, olfativo);

b) Planejamento nutricional adaptado

É fundamental que os planos alimentares:

Avaliem o uso racional de dietas restritivas, como SGSC (sem glúten e sem caseína), somente quando há evidência clínica concreta de benefício, como nos casos de sensibilidade alimentar não celíaca ou enteropatia.

Sejam flexíveis, individualizados e não punitivos;

Considerem estratégias de exposição alimentar gradual (food chaining);

Valorizem o envolvimento da família e dos cuidadores;

c) Atuação interdisciplinar

O nutricionista deve atuar de forma integrada com terapeutas ocupacionais, psicólogos, neurologistas, fonoaudiólogos e pedagogos. O cuidado no TEA é coletivo e integrado.

4. O que ainda falta?

Apesar dos avanços trazidos pela nova legislação, a principal lacuna que ainda enfrentamos é a escassez de profissionais nutricionistas com formação específica para atuar com pessoas com TEA

A demanda cresce — mas a formação técnica ainda precisa acompanhar essa realidade. O cuidado nutricional de pessoas com autismo requer muito mais do que conhecimento básico em planejamento alimentar: exige compreensão sobre comportamento alimentar atípico, intervenções sensoriais, abordagens respeitosas e atualizadas sobre dietas restritivas e conhecimento profundo sobre microbiota e neurodesenvolvimento.

Esse cenário representa uma grande oportunidade de atuação para nutricionistas que desejam se diferenciar e atender uma população cada vez mais visível e respaldada por direitos legais.

5. O caminho da capacitação continuada

É nesse contexto que a pós-graduação se torna mais do que uma escolha de carreira: uma resposta social. Capacitar-se para atuar com pessoas com TEA é um ato político, técnico e ético.

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Conclusão

A nova Lei nº 15.131/2025 reconhece oficialmente a terapia nutricional como direito das pessoas com TEA, ampliando o papel do nutricionista e exigindo formação especializada e humanizada. Isso representa um avanço importante no cuidado à neurodivergência e uma oportunidade concreta de atuação qualificada para os profissionais da área.

Referências:

  1. BANDINI, L. G. et al. Food selectivity in children with autism spectrum disorders and typically developing children. The Journal of Pediatrics, v. 157, n. 2, p. 259–264, 2010.
  2. MCELHANON, B. O. et al. Gastrointestinal symptoms in autism spectrum disorder: a meta-analysis. Pediatrics, v. 133, n. 5, p. 872–883, 2014.
  3. KANG, D. W. et al. Reduced incidence of Prevotella and other fermenters in intestinal microflora of autistic children. PLoS ONE, v. 8, n. 7, 2013.

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